Contarei um pouco da minha história.
Tenho que ser breve, afinal, disseram que os resultados dos exames não são positivos. Disseram que não tenho muito tempo.
Em minha infância fui zombado por todos. Os amiguinhos de classe viviam apontando o dedo para mim e rindo de minha aparência.
Chegava triste em casa todos os dias, e nos poucos instantes que minha mãe ficava comigo, ela perguntava: "Fulano, o que você tem?"
Eu, em minha inocência, respondia: " Nada mamãe".
Não queria estragar aqueles segundos que a vida nos dava para eu receber um abraço dela. Abraço que fazia falta, afinal, era tão aconchegante.
O abraço era dado apenas de manhã. Era o único horário que eu a via.
Meu pai, só dizia: "Ora, o menino é macho! Macho não deve ser sentimental.
Macho não usa cor-de-rosa.
Macho tem que ser macho desde pequeno!"
O mesmo se repetiu por anos. Quando mais velho, o abraço se tornou gélido e raro. Tão raro que pensei não fazer mais falta.
Um dia, novamente, ela perguntou: "Fulano, o que você tem?".
Eu, em minha arrogância, respondi: "Não é da sua conta. Você nunca tem tempo e agora quer saber de mim? Vá para o seu trabalho e me deixe em paz!"
Confesso:
Foi a primeira vez que vi aquela mulher sair pela porta com o rosto encharcado de lágrimas.
E minha boca sangrava com o soco dado por meu pai.
No momento não me importei. Só pensei estar certo.
Meu corpo e mente estavam mudando.
Eu não tive ninguém para explicar o que estava acontecendo comigo.
Cada dia que passava o ódio aumentava, me transformando em uma pessoa mais fechada, introspectiva.
Meu avô materno estava morrendo aos poucos devido às doenças.O pouco de amor que restava em mim depositei naquele homem.
Eram horas e horas acordado cuidando dele e ouvindo as mesmas histórias de sempre. O Alzheimer dele me proporcionava histórias maravilhosas que ele pensava estar vivendo; e eu adorava escutar as mesmas coisas, sempre. Nunca me enjoei.
Eu me dividia entre cuidar daquele homem e tentar me manter acordado na escola no dia seguinte. Não me arrependo de ter passado os últimos instantes da vida dele, ao seu lado.
Logo, veio sua morte.
Aquela ceifadora além de tirá-lo de mim, levou também mais algumas cores do meu mundo.Tornando-o, então, um mundo um pouco mais cinza.
Sim! Um pouco mais. As coisas ainda vão ficar piores.
Cresci vendo as famílias felizes irem aos parques enquanto eu ficava à janela sentido aquele frio que fazia em meu quarto em um dia de férias de dezembro, em um dia de verão.
O tempo foi passando, assim como é para todos.
Cada dia que passava eu morria lentamente, agonizando, tentando gritar por ajuda mesmo sem ter forças, mesmo sem ninguém por perto.
O mundo ficava mais monocromático a cada dia que passava.
Saí de casa.
Fui morar sozinho já que eu não fazia falta na casa de meus pais.
Em pouco tempo vivendo a vida de uma pessoa independente, pensei ter descoberto o amor. Pensei ter achado a mulher com quem eu passaria o resto dos meus dias.
Um pouco de alegria me preencheu o coração.
Fizemos planos. Rimos de algumas idiotices nossas.
Alguns meses depois de resolvermos morar juntos, ela me deu a notícia de que estava grávida.
Na hora, não acreditei. A emoção e alegria tomaram conta de mim.
Trabalhei em tempo dobrado por meses.
Até que um dia, sentado ao sofá após um dia cansativo de serviço, percebi que minha pequenina não estava fazendo a barriga da mãe crescer, porém, me mantive calado.
Em um domingo, ao acordar, ela me dera a notícia que havia abortado minha pequena há algumas semanas. Disse que não era a hora de ser mãe.
Mais uma vez minha vida perdeu a cor.
Aquela mulher que fiz de tudo (limpei a casa, lavei suas roupas, levei ao médico quando precisou, dei presentes sem datas especiais...) havia assassinado minha filha.
Havia dilacerado minhas esperança de ser feliz para sempre.
Aproveito o momento e digo: Filha, se existir o outro lado, se existir vida após a morte saiba que você não merecia este mundo, meu anjinho.
Tive que recomeçar minha vida do "zero" mais uma vez.
Mas desta vez, sozinho e com a saúde abalada. Além da saúde física comprometida, desenvolvi transtornos psicológicos. Depressão para ser mais exato.
Após algum tempo me drogando com os medicamentos que o médico me receitou, decidi parar por conta própria. - O suicídio já me parecia uma boa opção.
Em uma quinta-feira após o expediente de trabalho, resolvi que já havia chegado a hora de morrer!
Minha primeira tentativa foi executada.
Pulei de uma certa altura, mas não foi o suficiente para dar fim ao meu sofrimento.
Após a recuperação física, voltei com os remédios e com o antigo trabalho. O dono da empresa tinha pena de mim, segundo ele.
Certo dia, o amigo que eu considerava como irmão me manda a seguinte mensagem: "Fulano, precisamos conversar. É sério!"
Saí correndo do trabalho e fui ao encontro dele.
Chegando ao local combinado, ele me diz: "Fulano, eu sou homossexual!"
Mais uma vez a vida me abalando.
Nem esperei ele concluir o que tinha pra me dizer. Naquele momento fiquei furioso, perdi o controle total. Além de ter agredido verbalmente comecei a atacar seu rosto desferindo socos e chutes.
Ele, mesmo sangrando, mesmo com toda aquela barbárie, olhou para mim e disse: "O tempo vai passar irmão. Eu estarei lá quando você precisar. "
Estou com 45 anos de idade, já passei por muita coisa.
Minha segunda tentativa de suicídio foi após este acontecido.
Cheguei em casa e tomei um copo de veneno.
Sinceramente, ainda não sei como sobrevivi.
Mais uma vez, após a recuperação física, voltei com os remédios e com o antigo trabalho. O dono da empresa tinha pena de mim, segundo ele. Certo momento pensei que ele deveria ir ao psicólogo assim como eu já havia tentado. Aquele idiota era doido por ter pena de mim.
Quatro meses após o ocorrido, em uma noite comum e fria de terça-feira, recebo uma ligação de que meus pais haviam morrido em um acidente. Pensei: "Já estava na hora mesmo."
Resolvi sair para comemorar a morte de meus pais.
Sim, comemorar a morte deles. Frio assim!
Fui para um evento que havia naquele dia, alguns quilômetros da minha casa. Usei todos os tipos de drogas lícitas e ilícitas com aqueles "amigos" que havia feito ali.
Na volta para casa, só lembro de uma buzina forte...
Sofri acidente automobilístico. Fiquei por muitos anos vegetando em uma cama, em estado de coma profundo. Para ser mais exato, passei 10 anos em coma.
Quando os médicos desanimaram de minha situação, dei sinal de vida. Abri os olhos e mexi os pés.
Passei mais um tempo no hospital e, por incrível que pareça, saí daquela situação.
Definhado, andando com ajuda de muletas, resolvi largar o rancor de lado. Comecei a praticar o bem. Doei boa parte do meu dinheiro, deixando somente o essencial para viver. Mas, após tudo o que eu havia passado, o câncer "deu as caras". Não me cuidei quando jovem pois estava ocupado demais cultivando o ódio.
Após dois meses internado no hospital por causa do câncer recebi a visita do meu amigo que eu não via há anos. Aquele que eu havia batido por ser homossexual, lembram?
Ele veio me visitar mesmo depois de tudo.
Veio trazer a carta que meus pais escreveram para mim.
Li a carta em prantos. Nela, eles relatavam que a ausência deles era precisa pois a situação não estava boa naquela época. Se eles ficassem em casa, passaríamos fome.
Arrependo-me de tudo o que fiz!
Peço desculpas, meu amigo. - disse ao amigo que veio me visitar.
Ao término da leitura, com os olhos repletos de lágrimas e com o coração preenchido por culpa, vejo uma luz forte e uma menina vindo.
Pergunto aos demais que estavam presentes no leito em que eu estava se estavam vendo e se sabiam quem era aquela criança.
Ambos, meu amigo-irmão e o enfermeiro disseram não ver nada.
Eu não estava ficando louco!
De repente, aquela menininha de cabelos cacheados, mãos gordinhas, bochechas rosadas se aproxima de mim, me toma pelas mãos e diz:
“Vamos
papai, você não precisa mais ficar neste mundo. Vovô e vovó nos esperam do
outro lado...”
- Texto:
Pablo Gualberto -
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